sábado, 12 de outubro de 2013

Saúde pública no Brasil: “importar” resolve?

Bruna Homrich
Gabriela Gelain
A proposta de “importação” de médicos cubanos, feita pelo governo de Dilma Rousseff, tem dividido opiniões e suscitado debates em diversos setores da sociedade brasileira. Enquanto para as entidades médicas do país tal medida vem para disfarçar o real problema da saúde pública – carência de investimentos e de um plano de carreira aos profissionais -, alguns municípios interioranos apontam uma preocupante falta de médicos para atender à demanda local e a necessidade de uma resposta imediata à situação que se apresenta. Ainda que aparentemente as tratativas com Cuba para a “importação” de 6.000 médicos cubanos às terras brasileiras” tenham sido congeladas, o governo federal segue com a proposta de atração de médicos estrangeiros ao país, de modo que, nos próximos dias, deve lançar um edital de convocação. A prioridade, dessa vez, seriam profissionais da Espanha e de Portugal.
O presidente do Conselho Regional de Medicina (CREMERS), Rogério Aguiar, avalia que o projeto veio para dar respostas a um diagnóstico errado. Ele explica que, no Brasil, o número de médicos é o dobro do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Entretanto, se analisada a porcentagem de profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS), essa é menos expressiva. Para Aguiar, o serviço público de saúde não está bem estruturado no país. “Não tem dinheiro suficiente, não há um plano nacional de fixação dos médicos nos lugares – médicos e outros profissionais – e de recursos materiais inclusive em locais onde há uma carência de atendimento que não depende única e exclusivamente da presença profissional individual, isolada, de um médico”, analisa.
Aguiar não nega a escassez de médicos nas regiões interioranas do país. A ausência de um plano de distribuição e de um plano de carreira estatal contribui para que, onde exista maior concentração de recursos e pessoas, exista, também, maior concentração de profissionais da saúde. Já em municípios pequenos, a realidade que se apresenta é outra: as prefeituras, com recursos escassos, não conseguem se responsabilizar pelo atendimento mais complexo de que seus cidadãos precisam. Tal atendimento não se sustentaria apenas na figura do médico, mas em recursos tecnológicos, laboratórios, hospitais, leitos, ambulatórios equipados, transporte entre cidades, dentre outras condições básicas para um atendimento adequado. “Portanto, a  presença de um médico sem todos esses recursos ao seu redor transforma-se apenas na presença física de mais uma pessoa que não vai poder atender a população”, declara o presidente do CREMERS.
Manifestação contra a contratação de médicos cubanos reuniu cerca de cinco mil pessoas na avenida Paulista, em julho / Créditos: Jornal GGN
O Brasil possui hoje mais faculdades de medicina que países como Estados Unidos e China. No total, são 200 faculdades – número que quase dobrou desde 2000 – e 400 mil médicos. “Hoje não há problema que alguém formado fora possa atuar no Brasil, tanto no SUS como na área privada e planos. O profissional só precisa revalidar seu diploma (regra adotada em outros países) fazendo prova Revalida prevista pelo MEC desde 2011, oficializada pela Portaria 278, de 17/3/2011, pelos ministérios da Saúde e da Educação. O plano Mais Médicos prevê que os formados fora poderão atuar até três anos, e só precisarão de uma avaliação por três semanas para dizer se estão aptos ou não a atender nossa população. Isso coloca em risco o atendimento aos pacientes. Qual é a garantia de que este profissional está adequadamente formado? Além de ser claramente um programa que desvaloriza o profissional formado aqui”, esclarece o Sindicato Médico de Santa Maria (Simers).
A entidade analisa que o projeto federal não resolverá o problema da população, pois esse não reside na falta de médicos. Para o Simers, se a presidente estivesse mesmo interessada em investir na saúde brasileira, aumentaria o orçamento atualmente destinado a esse setor, de 4,4% das receitas brutas do país para os ideais 10%. A solução, defendem os médicos organizados no sindicato, é a criação da carreira de médico de estado. “O médico seria admitido em concurso público, com remuneração que o motive a se dedicar a esta carreira (o piso médico nacional para 20 horas semanais é de R$ 10.412,00) e começaria a atuar nas localidades onde forem criadas as vagas. Ao longo de sua carreira, ele poderá avançar, passando a atuar em centros maiores, caso desejar. Tramita no Senado uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 454 que prevê a carreira médica. Queremos urgência na aprovação”, diz a assessoria.
Carência de médicos é problema mais citado em cidades do sul
As secretarias de saúde das prefeituras de municípios do interior do Rio Grande do Sul contestam os argumentos das entidades médicas. O maior problema apontado: falta de profissionais de medicina para atender a população. Em Agudo – 16.253 habitantes – há cinco unidades de saúde (duas na região urbana e outras três no interior do município). O secretário municipal de saúde, Douglas Berguer, analisa que, para suprir as necessidades locais, seriam necessários, ao menos, mais três médicos. “Sempre tem falta de médico, de clínico geral, e também estamos com falta de anestesista, de ginecologista, para suprir as novas necessidades. Quando a demanda é alta, precisamos transportar as pessoas para fora da cidade. Os casos mais sérios são destinados para o hospital da Universidade Federal de Santa Maria e para Porto Alegre”, comenta o secretário. Berguer conta que há uma grande quantidade de pacientes nas unidades básicas de saúde, agravada pela recente procura de pessoas que antes recorriam aos planos privados de saúde. Para ele, a medida do governo é positiva. “Como a gente tem rotatividade de médicos – alguns trabalham 20 horas, em turnos diferentes -, há dias da semana em que as unidades ficam com menos médicos”, diz o secretário.
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Municípios do interior apontam demanda de mais médicos para atender nas unidades / Créditos: Correio Lageano
Em Silveira Martins, município com 2.449 habitantes, há apenas uma unidade básica – que também funciona como hospital – e quatro médicos concursados para atender à população. Esses profissionais se dividem em turnos de 12 horas, de modo que só há um médico por turno. O secretário municipal de saúde, Maury Batista Fabrício, explica que a prefeitura tem de contratar uma empresa privada para cobrir os plantões. “A princípio, seria excelente se tivéssemos mais um médico por turno. Temos uma demanda grande. Quando há casos de média e alta complexidade, encaminhamos para o Hospital Universitário de Santa Maria. Temos duas ambulâncias e um carro para fazer o encaminhamento desses pacientes”, diz.
Vera Terezinha Pires Nunes, secretária de saúde do município de Porto Mauá – cidade de 2.962 habitantes no noroeste do Rio Grande do Sul, e distante 550 Km de Porto Alegre -, conta que a localidade só possui um posto de saúde central e outro, de porte menor, em uma comunidade afastada. Há só um médico, que, contratado sob um regime de 40 horas, deve se revezar entre o posto e a unidade do interior. “Numa quarta-feira ele vai à comunidade do interior. Tínhamos outro médico, de 20 horas, mas ele desistiu. Eu preferia que viessem médicos aqui do Brasil, pela valorização de nossos profissionais, mas, se não há, seria bom virem de fora também”, opina a secretária.
O debate ainda vem sendo travado nos mais diversos setores da sociedade. Em recente depoimento o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, disse que há, no país, menos médicos que o necessário. “Seja do ponto de vista de médicos trabalhando ou de cursos de medicina, faltam médicos no Brasil”, avaliou. Contudo, para as entidades médicas brasileiras, o projeto tangencia a real raiz do problema, responsabilizando apenas uma das categorias dos trabalhadores da saúde pelos problemas que o setor enfrenta. (N)
*Foto de Capa: Portal Terra

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